Resenha Crítica – Trilogia Kafka: A Anatomia do Cárcere e a Estetização da Impotência Resenha Crítica — Trilogia Kafka: A Anatomia do Cárcere e a Estetização da Impotência Por Márcia Boaro Publicado em Os Que Lutam O espetáculo Trilogia Kafka , em cartaz no Teatro Núcleo Experimental, é fruto do trabalho conjunto de Helio Cicero, André Capuano e Pedro Conrado, sob direção e adaptação de Cesar Ribeiro. Mais do que uma montagem que transita entre literatura e cena, trata-se de um projeto dramatúrgico que articula atuação, espaço e pensamento em uma operação estética de alta densidade. Ao escolher quatro textos de Franz Kafka — Diante da Lei, O Artista da Fome, Relatório para uma Academia e Carta ao Pai —, o espetáculo não realiza uma adaptação no sentido tradicional, mas constrói um dispositivo de análise, exposição e desnudamento dos sistemas de opressão que a...

Revendo a Pane

Nestes tempos estranhos está cada vez mais complexo produzir espetáculos, devem ser resultado de muito planejamento, pode-se demorar anos para se realizar um projeto, é preciso ter muita persistência. No caso do espetáculo “A Pane” eles já haviam passado pelo todo “calvário normal”, mas próximos a estreia tiveram de paralisar tudo e aguardar mais quase dois anos, a boa notícia é que o esforço compensou, tiveram um resultado mais do que acertado.



O teatro é uma Arte de Ofício, e apesar de haver inúmeras teses de doutorado sobre a arte de interpretar é em cena, no jogo entre atores de variadas gerações onde verdadeiramente se aprende o ofício. Mesmo não participando da cena, aprende-se muito. É gratificante ver atores maduros, seguros, de idades diferentes compartilhando seu ofício, jogando em cena. Assisti a estreia há alguns meses, voltei e gostei mais ainda. Todo elenco está seguro, com domínio do texto e da cena, tendo claro tanto a intenção do autor, da diretora (Malú Bazán) que fica clara na unidade que existe em cada cena, como a de cada ator. Todos sabendo contracenar na melhor acepção da palavra, sem egoísmo. O texto propicia bons momentos para cada ator e a direção soube lidar com isto. Não existe um protagonista claro, a urdidura do texto é baseada em tipos sociais e cada um em seu momento mostra sua posição, sua função no enredo, assim é tecida a trama. E cabe salientar a enorme diferença faz quando todos entendem todo o texto, suas razões e os porquês de cada cena. Eu poderia fazer analogias com grandes orquestras ou com grandes equipes esportivas, mas seria um equívoco, o teatro tem seu código próprio e não precisa disto, é um jogo próprio e de rara beleza.

A Pane | Foto de Rogério Alves

A trama de Dürrenmatt é uma variante da dramaturgia brechtiana, o autor soube observar os ganhos do épico e criou um estilo próprio (assim como ocorre na obra de Peter Weiss), não seria demais dizer que ele criou seu próprio caminho para busca de um teatro dialético. A partir de uma fábula contemporânea o texto aborda como é constituído o sistema judiciário ou seja, como um reflexo da sociedade burguesa. Assim como em outros textos do autor (outros dois ficaram em cartaz na cidade nos últimos anos), são apresentados ao público dilemas atuais e a cena convida para a reflexão. Como iriamos nos portar naquela situação? Não é um texto que leva a identificação com a personagem, mas sim que nos leva a pensar sobre os códigos sociais e a moral vigente, tanto que não existem personagens, são tipos sociais bem dimensionados, no caso tão interessantes como distantes dos personagens tridimensionais do drama. O processo de como ocorre as mudanças morais e consequentemente da justiça fica claro a partir das imagens criadas a cada data que é dita ao abrir uma nova garrafa de vinho. Os comentários das personagens mostram como as leis moldaram-se a partir das convenções que se estabeleceram entre o século XIX e XX, ou seja nos faz perceber o quanto toda esta estrutura é frágil. Os personagens Juiz Wucht (Oswaldo Mendes), o Promotor Zorn (Antonio Petrin), o Advogado de defesa (Roberto Ascar), o Carrasco Pilet (Heitor Goldfluss) e mesmo o “barman” Justus (Marcelo Ullmann) sabem conduzir o réu Traps (Cesar Baccan) em um delicioso jogo. Durante o transcorrer da peça não acontecem inversões de expectativa em momentos pré determinados com o intuído de fazer o publico se admirar com a “inteligência do texto”, pelo contrário, se estabelece um jogo de contradições que mostra dialeticamente como a moral burguesa é incongruente, e que portanto a justiça é uma questão relativa. Apesar do verniz, vivemos próximos a barbarie.

Um belo espetáculo que deve ser visto e revisto (como foi meu caso).

 Dias e horários: Sextas-feiras às 21h; sábados, às 20h; domingos, às 18h. 

Classificação etária: 14 anos 

Duração: 70 minutos 

Ingressos: Sábados e domingos: R$ 80 (inteira) e R$ 40 (meia-entrada)Sextas: R$ 60 (inteira) e R$ 30 (meia-entrada) 

Televendas: 11 3662-7233 / 11 3662-7234 

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