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Resenha Crítica – Trilogia Kafka: A Anatomia do Cárcere e a Estetização da Impotência Resenha Crítica — Trilogia Kafka: A Anatomia do Cárcere e a Estetização da Impotência Por Márcia Boaro Publicado em Os Que Lutam O espetáculo Trilogia Kafka , em cartaz no Teatro Núcleo Experimental, é fruto do trabalho conjunto de Helio Cicero, André Capuano e Pedro Conrado, sob direção e adaptação de Cesar Ribeiro. Mais do que uma montagem que transita entre literatura e cena, trata-se de um projeto dramatúrgico que articula atuação, espaço e pensamento em uma operação estética de alta densidade. Ao escolher quatro textos de Franz Kafka — Diante da Lei, O Artista da Fome, Relatório para uma Academia e Carta ao Pai —, o espetáculo não realiza uma adaptação no sentido tradicional, mas constrói um dispositivo de análise, exposição e desnudamento dos sistemas de opressão que a...

Fragmentos da Cidade: A Avenida Paulista em Cena

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  Fragmentos da Cidade: A Avenida Paulista em Cena por Márcio Boaro Nasci e fui criado em São Paulo. Minha vida sempre orbitou pela Avenida Paulista, esse centro nervoso da cidade, onde se cruzam o cotidiano apressado, o trabalho exaustivo, os resquícios culturais e as manifestações políticas. Foi por isso que fiquei especialmente curioso ao saber da montagem de Avenida Paulista , dirigida por Felipe Hirsch, com codireção de Juuar. A curiosidade se intensificou pelo fato de eu não ter assistido a Avenida Dropsie , mas ter ouvido muitos comentários positivos sobre a obra. O tempo passou, a curiosidade permaneceu, e assim que soube da nova montagem, fui ao teatro ainda no segundo dia da temporada. (divulgação) Ao me acomodar na plateia, um susto: um aviso de que o espetáculo teria 180 minutos, sem intervalo. Ainda assim, estava disposto a me entregar à experiência. O elenco me deixou particularmente animado, reunindo atores que admiro, como Georgette Fadel, Roberta Estrela D'Alva e...

Furacão: A Voz Ancestral que Enxerga Além da Tempestade

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 Furacão: A Voz Ancestral que Enxerga Além da Tempestade por Márcio Boaro A Cia Amok apresenta em Furacão um espetáculo de rara sensibilidade, no qual a força de uma mulher negra, Joséphine Linc Steelson, ressoa como um testemunho de um século de lutas e desilusões. Interpretada com beleza, leveza e potência por Sirlea e Thalyssiane Aleixo, Joséphine é uma personagem que não apenas atravessa o tempo, mas o compreende em sua profundidade, reconhecendo que as transformações sociais ocorrem, mas nem sempre com a velocidade ou a justiça esperadas. Baseado no texto do francês Laurent Gaudé, um autor de refinada sensibilidade, Furacão resgata a voz de quem esteve sempre à margem, mas que, por essa posição, desenvolveu um olhar privilegiado sobre a sociedade. Joséphine é uma mulher negra, pobre e periférica, que viveu quase um século na Louisiana e testemunhou mudanças – mas não justiça. A segregação racial e a desigualdade social permanecem estruturais, mesmo quando mascaradas por avanço...

Resenha: "Último Ato de uma Mulher de Teatro"

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 Resenha: " Último Ato de uma Mulher de Teatro " Por Márcio Boaro A morte é um dos temas mais recorrentes da dramaturgia, mas raras vezes é tratada com tanta leveza, humor e agulho quanto em “Jandira – Em Busca do Bonde Perdido”. Última obra escrita por Jandira Martini, a montagem não se limita a um relato sobre a finitude, mas se expande para celebrar a vida, o teatro e o próprio ofício da atriz e dramaturga. Sob a direção de Marcos Caruso, parceiro artístico de Jandira por quatro décadas, e interpretada com exatidão por Isabel Teixeira, o espetáculo se constrói como um jogo de memórias e reflexões, onde a agilidade cênica e a fragmentação temporal garantem um fluxo narrativo envolvente e dinâmico. O Testamento de uma Mulher de Teatro O termo ‘Homem de Teatro’ sempre foi um elogio reservado aos grandes mestres da cena, àqueles que dominavam todos os aspectos do ofício. Mas nunca vi a expressão ‘Mulher de Teatro’ ser usada com o mesmo peso e reconhecimento. No caso de Jandir...

O Jardim das Cerejeiras: Entre o Cuidado Estético e a Crítica Social

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  O Jardim das Cerejeiras: Entre o Cuidado Estético e a Crítica Social   Por Márcio Boaro No espaço onde Antunes Filho nos brindou por décadas com criações memoráveis, o Teatro Anchieta, no SESC Consolação, agora floresce sob as cerejeiras de Tchekhov, conduzidas pela visão sensível de Ruy Cortez e a Cia da Memória. A montagem de O Jardim das Cerejeiras não apenas encanta pela estética, mas provoca reflexões profundas sobre a decadência da aristocracia, o avanço da burguesia e a persistente invisibilidade da classe trabalhadora.   Se há uma palavra que sintetize o espírito dessa montagem, ela é “cuidado” . Cada elemento cênico parece calculado para transportar o espectador a uma imersão sensorial e emocional. A cenografia, com balões brancos flutuando sobre a plateia e uma rampa branca que avança pelo centro do teatro, cria um jardim em que o público literalmente caminha entre as estações e as camadas narrativas.   Essa escolha arquitetônica rompe a rigidez do palco...