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Resenha Crítica – Trilogia Kafka: A Anatomia do Cárcere e a Estetização da Impotência Resenha Crítica — Trilogia Kafka: A Anatomia do Cárcere e a Estetização da Impotência Por Márcia Boaro Publicado em Os Que Lutam O espetáculo Trilogia Kafka , em cartaz no Teatro Núcleo Experimental, é fruto do trabalho conjunto de Helio Cicero, André Capuano e Pedro Conrado, sob direção e adaptação de Cesar Ribeiro. Mais do que uma montagem que transita entre literatura e cena, trata-se de um projeto dramatúrgico que articula atuação, espaço e pensamento em uma operação estética de alta densidade. Ao escolher quatro textos de Franz Kafka — Diante da Lei, O Artista da Fome, Relatório para uma Academia e Carta ao Pai —, o espetáculo não realiza uma adaptação no sentido tradicional, mas constrói um dispositivo de análise, exposição e desnudamento dos sistemas de opressão que a...

Águas que queimam na encruzilhada

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  Ontem (dia 04/09) fui pela segunda vez assistir ao espetáculo “Águas que queimam na encruzilhada” do Teatro de Incêndio, direção de Marcelo Marcus Fonseca. Havia assistido a estreia, quis assistir novamente passadas algumas semanas. Resolvi chegar cedo, ao me aproximar do prédio percebi pelo movimento que estava lotado. Tenho costume de observar as diferentes plateias da cidade, fiquei feliz ao ver que em sua maioria era composta por jovens animados, nada pálidos, nada apáticos. Muito bom ver existe um púbico deste tipo para um espetáculo bastante autoral que aparentemente fala sobre as especificidades do bairro do Bixiga, traz interesse.  O espetáculo fala sobre a vida de uma população de um cortiço imaginário do Bairro do Bixiga, através deste mote vemos muito de como é a vida dos menos assistidos que vivem as margens das grandes cidades brasileiras, apesar de tratar-se de um bairro central, o Bixiga em grande parte não usufrui das benesses do novo “ciclo imobiliário”...

O espetáculo "Boris" está pronto

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 Assistir ao espetáculo “Bóris não está pronto” foi uma experiencia duplamente recompensadora, tanto pelo espetáculo por si, quanto por ver o desenvolvimento do trabalho do Coletivo Dolores Boca Aberta que conheço há muitos anos, mas que eu já há algum tempo não acompanhava (erro meu). Trata-se de um belíssimo espetáculo que discute a masculinidade de forma singular.  De partida o trabalho se inicia com um tema musical que para mim é um achado, uma canção que é muito popular entre os adolescentes há mais de 30 anos pelas escolas da periferia paulistana, mas que colocada no contexto que o espetáculo nos propõe, passa a simbolizar o método na formação do jovem dentro da cultura machista, é curioso rever e passar a "estranhar" uma música tão conhecida. As maneiras como homens e mulheres se comportam correspondem aos aprendizados socioculturais que nos ensinam a agir de acordo com prescrições de cada gênero. Além da determinação de dimensão biológica e associada à natureza (sex...

Um Jardim para Educar as Bestas

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 As múltiplas fontes de inspiração e os múltiplos criadores da cena de “Um Jardim para Educar as Bestas” criam algo único. Trata-se de uma criação coletiva dos artistas Eduardo Okamoto, Isa Kopelman, Marcelo Onofri e da produtora criadora Daniele Sampaio estreia nacionalmente na Mit em 04 de junho, na Biblioteca Mário de Andrade. Trata-se de um duo para piano e atuação que reescreve um dos trinta e seis capítulos do livro “Homens Imprudentemente Poéticos”, de Valter Hugo Mãe: “A Lenda do Oleiro Saburo e da Senhora Fuyu”. Originalmente ambientada num Japão antigo, a trama é transposta para o sertão brasileiro, em diálogo com textos de Ariano Suassuna, Guimarães Rosa e Euclides da Cunha. Foto de Nina Peres Ao se observar as diferentes fontes utilizadas para criação do espetáculo, pode-se ter a falta impressão de que trata de espetáculo hermético, com referências complexas, cifradas. O que ocorre é o exato contrário, as cenas são claras, nada confusas. A trama é bem urdida, bem-acabad...

O mais do que nessário Papa Highirte

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 Muitas vezes ao assistir a espetáculos relevantes para o momento digo que é um trabalho necessário. A montagem do Grupo Tapa para "Papa Highirte" de Oduvaldo Vianna Filho vai muito além disto. Devo começar pela importância de se trazer a público uma obra ainda pouco conhecida de um grande autor nacional. Não se trata de qualquer texto, trata-se de uma das melhores obras do dramaturgo.  Vianinha  é reconhecido como um dos expoentes de uma grande geração. Um autor que só não foi maior porque foi podado duas vezes; primeiro pela ditadura e depois pela doença, que o levou a morte prematura. Só por este mérito esta montagem já mereceria destaque, trazer este texto para cena já é por si algo grande. Ao observar as cenas percebo que se trata de uma peça épica. Mesmo a emoção sendo alcançada em diversos momentos, ela é sempre usada com parcimônia, sempre na medida certa e a favor da compreensão da história. Explico; toda vez que alguma cena chega perto de nos envolver emociona...

Assistir Foxfinder para que não nos cacem

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 Podemos falar em várias “funções” para a arte, uma das mais relevantes é utilizar a obra artística como instrumento para questionar a realidade objetiva, sendo assim o trabalho nos apresenta subsídios que nos auxiliam a vermos traços específicos de um panorama mais amplo, caso não fossem destacados estes detalhes normalmente passariam desapercebidos, mas quando nos são apresentados sob outra ótica vemos que é algo a ser pensado e se for o caso questionado. A questão seria levar a reflexão, não ao convencimento. É como se pudéssemos sair do contexto social em que vivemos e observá-lo como se fossemos estranhos. A criação de distopias é muito utilizada na literatura e na dramaturgia, porque nesta realidade imaginária o ponto a ser ressaltado pode ser ampliado, sob esta lente de aumento vemos o absurdo. Esta explicação é para mostrar os grandes méritos da dramaturga Dawn King em Foxfinder, em 2011 os regimes de extrema direita estavam ensaiando para voltar, mas a autora percebeu que ...

Revendo a Pane

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Nestes tempos estranhos está cada vez mais complexo produzir espetáculos, devem ser resultado de muito planejamento, pode-se demorar anos para se realizar um projeto, é preciso ter muita persistência. No caso do espetáculo “A Pane” eles já haviam passado pelo todo “calvário normal”, mas próximos a estreia tiveram de paralisar tudo e aguardar mais quase dois anos, a boa notícia é que o esforço compensou, tiveram um resultado mais do que acertado. O teatro é uma Arte de Ofício, e apesar de haver inúmeras teses de doutorado sobre a arte de interpretar é em cena, no jogo entre atores de variadas gerações onde verdadeiramente se aprende o ofício. Mesmo não participando da cena, aprende-se muito. É gratificante ver atores maduros, seguros, de idades diferentes compartilhando seu ofício, jogando em cena. Assisti a estreia há alguns meses, voltei e gostei mais ainda. Todo elenco está seguro, com domínio do texto e da cena, tendo claro tanto a intenção do autor, da diretora (Malú Bazán)   q...

As belas "Mortas" de Oswald na Oswald

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Na sexta feira, 13 de maio, assisti a uma bela encenação na Oficina Cultural Oswald de Andrade da "A Morta" de Oswald de Andrade criada pela Cia Aberta de Teatro, com direção geral de Cacá Toledo, com um grande elenco e ficha técnica - todos muito competentes. A encenação percorre as dependências do térreo do centenário edifício da Rua Três Rios apropriando-se muito bem das diferentes características do prédio. Foto de João Maria Silva Jr Enquanto assistia ao espetáculo me ocorreu que as montagens dos textos modernistas deveriam ser recorrentes, penso que seria útil na construção de um olhar diferenciado sobre nossa herança teatral, além de conhecermos melhor detalhes de um texto tão elaborado, veríamos os diferentes matizes dos encenadores, tendo os mesmos textos como partida. A ideia me ocorreu por conta da pungência da montagem da Cia Aberta que não se eximiu das dificuldades impostas pela dramaturgia, pelo contrário, expôs cenas narrativas que não eram de fácil assimila...